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Os Professores no Século XXI: os Desafios da Sobrevivência, por Professor Doutor Jorge Lopes

Artigo de Opinião publicado no semanário Vida Económica

À memória do Professor Carlos Cravo Ventura
O papel desempenhado pelos docentes nesta era dominada pelas inovações tecnológicas e pela predominância dos universos virtuais tem sido posta em causa de forma cada vez mais insistente. Não têm faltado as vozes (algumas certamente credíveis) a decretar com alarmante certeza e implacável convicção a ¿morte¿ do professor, pelo menos no âmbito dos atuais modelos de ensino/aprendizagem.
Na realidade, a classe profissional dos professores é frequentemente criticada e posta em causa devido a um conjunto diversificado de razões, que se centram sobretudo nas questões relacionadas com as reivindicações laborais, que ocupam o espaço mediático de uma forma omnipresente e desgastante. Por outro lado, a figura do docente começa a ser considerada como uma espécie de anacronismo face à realidade atual, caracterizada pela dependência dos alunos em relação aos dispositivos eletrónicos. Já muitos receberam o célebre email que compara a evolução de vários produtos e serviços ao longo dos séculos, mas que persiste em manter a configuração da sala de aula, onde um docente transmite conhecimento para uma audiência sentada em cadeiras dispostas em formatos variados. A mensagem, neste caso, é clara: vários séculos de evolução, o mundo vai mudando a uma velocidade vertiginosa, mas as aulas continuam semelhantes ao passado...
Noutro contexto, é igualmente frequente ouvirmos registos discursivos que insistem em denegrir a atividade docente, desvalorizando o papel dos professores na formação humana e pedagógica dos alunos. Confesso que nunca compreendi o que poderá motivar e justificar estes discursos, até porque me recuso a acreditar que alguém não possua recordações e memórias positivas acerca de um docente do passado. No meu caso particular, para além dos casos pontuais (que obviamente existem) de docentes incompetentes ou sem perfil para esta função, recordo com saudade e gratidão os docentes que me marcaram, que souberam passar o seu conhecimento de uma forma consistente e inspiradora, que me deram conselhos úteis e pertinentes, enfim, que contribuíram de forma inesquecível para a minha formação como pessoa.
Sobre esta matéria, importa, desde já, abordar o papel do professor enquanto intermediário no processo de transmissão de conhecimento. Sendo certo que, hoje em dia, qualquer aluno consegue aceder a um conjunto interminável (mas não filtrado...) de informação através (por exemplo) da internet, esse fator não deverá servir como argumento para justificar a extinção do docente enquanto entidade física, como alguns já propuseram, até porque, na esmagadora maioria dos casos, o aluno não sabe como recolher, selecionar, interpretar e aplicar essa vastidão imensa de conhecimento.
Por outro lado, também não podemos ignorar a presença obsessiva desses equipamentos eletrónicos na vida dos jovens de hoje, até porque se trata de uma batalha perdida. O mais sensato é aceitar essa realidade e tentar incluir esses dispositivos nos processos de ensino-aprendizagem, para que os alunos compreendam que o telemóvel ou o tablet também podem assumir uma função educativa e pedagógica, para além do elemento-lazer que tem caracterizado essa utilização.
Ser docente, nos dias de hoje, apresenta inúmeros obstáculos e propõe diversos desafios que terão de ser enfrentados com estratégias inovadoras e adequadas aos contextos vigentes. É absolutamente necessário que o docente se adapte às novas coordenadas que estruturam o mundo de hoje, sobretudo no que concerne ao modus vivendi da juventude atual, habituada ao facilitismo, à velocidade e à cultura do instantâneo. Como é possível apelar à beleza dos livros e da leitura a alunos que se irritam e reagem com agressividade porque a internet estar a demorar alguns segundos a disponibilizar a informação? O mundo do ensino e da cultura tem de aprender a viver com esta realidade: o Museu do Louvre, por exemplo, já disponibiliza consolas para os mais jovens acompanharem as visitas, tentando assim cativar um público que tem demonstrado alguma resistência a este tipo de atividades.
Há alguns anos, ao tomar conhecimento da morte de um professor que tive na Universidade, fui tomado de uma imensa comoção. O Professor Carlos Ventura, que lecionou Cultura Inglesa no 2º ano do meu curso, reunia as características essenciais que definem um bom docente: erudição, competência, originalidade, humanidade. No entanto, a minha reação emotiva não se deveu a estes motivos... O que recordei de imediato foi uma longa conversa que mantive com o meu professor numa longínqua tarde de junho de 1984. Nessa altura, debatia-me com algumas dúvidas relativamente ao meu futuro académico e profissional (o curso aproximava-se do fim) e, perante as minhas hesitações, o meu professor teve a paciência e a amabilidade de me escutar com toda a atenção, de conversar com calma e ponderação e, sobretudo, de me aconselhar em relação aos passos a dar nesse momento tão incerto.
Este será, seguramente, o argumento definitivo e decisivo para contrariar as vozes que anunciam a inutilidade prática dos professores: a tecnologia vai continuar a sua evolução inexorável, mas a presença humana do professor é literalmente insubstituível. Nenhuma máquina, por mais perfeita que pudesse ser, teria sido capaz de me dar um conselho tão útil e precioso como aquele que me foi transmitido nessa tarde inesquecível.
Nestes cenários de ameaça e dúvida permanentes acerca da validade da nossa profissão, o docente terá necessariamente de reformatar o seu perfil de competências e saberes e de se reinventar: terá de repensar a sua atividade, de antecipar as necessidades e comportamentos dos alunos de hoje e de conceber e operacionalizar metodologias e práticas de ensino inovadoras, consistentes e compatíveis com as gerações atuais.