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"O Vinho tem Futuro" por Professor Especialista Pedro Guerreiro

Artigo de Opinião publicado no semanário Vida Económica

Mesmo antes de existirem os Simpsons, adivinhar o futuro foi sempre uma preocupação do Homem. O instinto de sobrevivência ultrapassa gerações e a evolução está enraizada no ADN humano.

Cada um de nós, ao longo de gerações, já se perguntou - "Como será o futuro?". Foi o que fizeram os Jetsons, desenhos animados que projetaram a vida no séc. XXI, com carros voadores e robôs que substituíam os homens em tudo. Também na década de 60, profissionais de várias áreas juntaram-se para imaginar o que seria a cozinha do futuro. Cientes do papel social cada vez mais interventivo das mulheres, os especialistas entenderam que a falta de tempo seria um fator crucial no dia-a-dia. A cozinha estaria então equipada com um sistema de roldanas e manivelas, operadas pelo merceeiro da rua a partir do exterior da casa e controladas com uma chave. O merceeiro faria chegar as compras a casa, fazia girar o frigorífico para a parte de fora e colocava as compras diretamente nas prateleiras, voltando a fazê-lo girar de forma a que a sua porta voltasse a estar orientada para o interior da casa. A dona de casa chegava e tinha as suas compras já no frigorífico, podendo dedicar-se logo a fazer o jantar.

O futuro nunca é exatamente como imaginamos e o sistema não chegou a ser implementado, mas hoje as compras chegam-nos a casa sem precisarmos de nos deslocar e os frigoríficos têm sistemas de gestão de stock que encomendam imediatamente os produtos abaixo de uma quantidade mínima. Há robots de cozinha preparados para encomendar as compras semanais consoante as receitas que se escolhe fazer. E, no futuro, as cozinhas estarão equipadas com braços que farão o grosso do trabalho por cada um de nós.

Mas há um ponto que historicamente gera dúvidas que continuam a não ter resposta. Iremos ter capacidade para produzir e utilizar os recursos existentes de forma a dar resposta atempada às necessidades básicas de uma população mundial que não pára de crescer? Como poderão os países desenvolvidos fazer face ao consumo de recursos crescentes e à competição gerada por países em vias de desenvolvimento? Sabemos que vamos alterar a nossa alimentação, mas será a alimentação sintética, produzida em laboratórios, uma fórmula suficiente para responder às necessidades de todos?

O Professor Mohan Munasinghe, prémio Nobel em 2007, que tem vindo a dedicar a sua vida à sustentabilidade ambiental e social, avisa que as soluções para um desenvolvimento sustentável começam pela decisão de ter uma vida pessoal sustentável. A fórmula não é nova: não podemos salvar o mundo se não nos salvarmos a nós próprios, às organizações onde estamos, aos mercados que conhecemos e onde atuamos.

Foi o que a Taylor¿s fez ao organizar a Climate Change Leadership Porto 2018, que entre outros oradores contou com o próprio Mohan Munasinghe, Irina Bokova e Barack Obama, juntando-se assim a várias empresas vitivinícolas que têm vindo a estudar o impacto das alterações climatéricas no sector dos vinhos. Para lá da organização notável, que contou com o dinamismo da Câmara Municipal do Porto, da Associação Comercial do Porto e da Revista de Vinhos, ficou o Protocolo do Porto, partilhado por todos os participantes, com vista à minimização do impacto das alterações climatéricas para as gerações futuras. Uma iniciativa meritória que agrega o setor num esforço comum e que contribui para que consigamos chegar à meta do Acordo de Paris: continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus centígrados por ano.

Mas qual é, afinal de contas, o impacto das alterações climatéricas na produção do vinho? 

Em primeiro lugar, assistimos a uma deslocalização das regiões capazes de produzir os melhores vinhos ¿ o que significa que algumas das regiões mais afamadas e cuja economia local depende do setor pode vir a enfrentar um problema de desemprego e perda de competitividade. Estima-se hoje que a viticultura desenvolver-se-á melhor em regiões mais próximas da costa e a latitudes mais a Norte no hemisfério Norte e mais a Sul no hemisfério Sul. O Reino Unido, por exemplo, começa a produzir espumantes de qualidade e as alterações climatéricas não são alheias a esse fenómeno. Por outro lado, é provável que os vinhos nalgumas regiões tradicionais venham a perder acidez e tenham graduações alcoólicas muito elevadas. A perda de compostos aromáticos, as alterações do perfil aromático e a redução de compostos fenólicos responsáveis pela cor nos vinhos tintos são outros fenómenos expectáveis. Há, entretanto, estudos que têm comprovado uma maior adaptação de algumas castas (como a Trincadeira e o Antão Vaz) ao stress térmico das vinhas (que ocorre em média a partir dos 36º Celsius). Mas, em última instância, uma adaptação do perfil das castas em determinadas regiões significa que será impossível obter o mesmo perfil de vinhos a que estamos historicamente habituados.

Em suma, os produtores de vinhos têm razões para acompanhar o problema, para o limitar e para fomentar a sustentabilidade social e ambiental - que estão intimamente associadas. O impacto do que fazemos agora prolongar-se-á no futuro por vários anos, mesmo que a partir de agora todos alteremos comportamentos.

O futuro só terá futuro se para além do desenvolvimento tecnológico e da inovação soubermos assegurar um desenvolvimento ambiental e socialmente sustentável. De outra forma, podemos imaginar o que seria a nossa vida com todas as alterações tecnológicas que nos poderiam esperar. Podemos recordar sabores inesquecíveis de outros tempos. Mas estaremos sobretudo demasiadamente preocupados com a sobrevivência e com a satisfação de necessidades básicas.